Sobre crianças e infância

12 outubro 2011
Lá na cidade de Patu, onde passei boa parte da minha infância tive alguns de meus melhores momentos. Vivíamos numa casinha de tijolos, apenas o início da casa, a sala nem grande nem pequena porém vazia de móveis, um quarto com a janela para a rua, uma outra sala de tijolos e mais pra trás o quarto e uma cozinha feitos de pau-a-pique ou como conhecemos aqui, de taipa. 

Na cozinha um fogão a lenha feito de tijolos e era onde eu sempre colocava o fio do meio da palha de coco pra queimar e minha vó que foi mais mãe do que avó, brigava por que dizia que "desgraçava a cozinha de fumaça" e eu saía dali sonsa. No mesmo lado que o fogão estava havia uma janela que dava pra um beco que havia de lado da casa. Ali existiam algumas plantas de pequeno porte que mãe (avó) sempre aguava por que ela sempre gostou de rosas. Acho que ela gostava muito de mim também pois quando eu acordava e saia num pulo só já para o quintal pra se achava alguém ela sempre me dizia "acordou, minha rosa?" e eu, como toda criança que é amada, fazia aquela cara de sono e de manha e ia para os braços dela. 


O quintal da casa era um mundo. Não havia banheiro dentro de casa, não havia água encanada, o w.c. era daquelas construções que tinham uma fossa e o vaso era no chão com uma tampa de madeira. Para o banho era habitual o uso dos tanques que eram  cheios com água de poços e cacimbas. A água era salobra e não era tratada, talvez por isso nós sempre tivéssemos aqueles surtos de dores de barriga, ninguém sabia que era preciso tratar a água e a cidade não possuía muitos recursos. E mesmo se possuísse não chegava a nós.

Era no quintal que eu passava a maior parte do tempo. Entre os pés de romã que minha avó tanto amava e os coqueiros que eram motivo de exibição do meu avô. Nas cercas, umas plantinhas se enroscavam do chão até em cima e dela brotavam frutas de cor verde e espinhosa que quando maduras mudavam a tonalidade para laranja, continham sementes vermelhas que eu morria de medo de comer por que mãe dizia que eu morreria se comesse. Na verdade, eu não poderia comer nada do quintal que não fosse fruta e ainda tinha que mostrar pra saber se "ofendia" ou não. As frutinhas de cor laranja, confesso que comi, várias vezes até. São chamadas de melão de São caetano e eu conhecia apenas por melão caetano. Esse melão eu brincava de fazer comidinha em panelinhas pequenas feitas de barro com uma única amiga que eu tinha, Rafaela. As folhas,  nós cortávamos e colocávamos dentro da panelinha como se fosse coentro, e o melão nós colocávamos as sementes vermelhas para termos um prato colorido. 

Ah, quão bom era a brincadeira de criança, preocupada apenas com a brincadeira da comida. Não havia hora, não havia desejos, não havia amanhã. Era apenas aquele momento. A gente nunca sabia quando era dia das crianças, dia de natal a não ser por ver os adultos falando, pras crianças essas datas não têm tanta importância assim. Mas, matreiras como são, as crianças logo percebem que é nessas datas que elas ganham presentes, por isso prestam atenção, não pela data, mas pelo presente.

Eu não ganhei muitos presentes. Só do meu pai, que nunca deixava uma data "passar em branco". Ele vinha de outra cidade, Catolé do Rocha, com um presente pra me dar. Não julgo que eu ficasse feliz, eu nem entendia a maioria daqueles presentes, joguinhos de montar com mil e uma pecinhas. Minha mãe não sabia ou não gostava de brincar e meu pai tão logo entregasse o presente e comprasse uma fanta laranja e um bolo ou me levasse para lanchar (admito que era melhor quando ele fazia por que na escassez de alimentos que tínhamos eu me sentia uma princesa quando saía para lanchar), iria embora e eu demoraria algumas semanas para vê-lo.

Quando chovia, eu ficava ansiosa para ir brincar na areia molhada quando a chuva acabasse. Eu colocaria meu pé na areia e o cobriria todo pressionando a areia para que ela ficasse unida e quando eu tirasse o pé viraria uma caverna ou uma casinha de areia. As casinhas de areia poderia durar dias se não chovesse novamente, era um cheirinho tão bom, cheirinho de terra molhada. Ruim eram as frieiras que a gente pegava, mas valia a pena por aquele momento tão mágico que era fazer casinhas de areia. As minhas eram decoradas, eu arrancava as rosas de mãe e fazia um jardim na entrada da casinha e imaginava que quando eu tivesse minha casa eu teria um jardim com muitas rosas. 

Pergunto-me o que acontece conosco quando crescemos. Mudamos tanto por quê? Hoje não tenho um jardim na minha casa. Não temos de tempo de cuidar, não temos como não correr contra o tempo e fazer mil e uma coisas que a vida moderna exige. E acho que as nossas crianças também já não são como a minha geração era. Não tem tempo para serem crianças, assumem milhares de compromissos e nem as tarefas da escola eles têm tempo de fazer.
Outro dia quando eu dava aula sobre crônicas, cheguei à sala e perguntei se haviam procurado as crônicas para lermos em classe. Alguns disseram que não lembraram, outros que não tiveram tempo e dois ou três de um total de 30 alunos trouxeram as crônicas. Perguntei, então àqueles que não tiveram tempo o que eles faziam tanto que os impediam de fazerem um trabalho escolar. Uma menina enumerou  aula de reforço, inglês, aula de natação, dança, outras atividades da escola. Pensei comigo que estamos destruindo a infância dessa geração informática com centenas de comandos dos quais elas não precisam agora. Acredito que é bom que nossas crianças se ocupem, mas não tanto, não tanto que não possam brincar, não tanto que não possam ser crianças.