" Soneto "

11 junho 2012

Aceitarás o amor como eu o encaro ?...

Aceitarás o amor como eu o encaro ?...
...Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza... a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.




Mário Raul de Moraes Andrade,
Nascimento: dia 9 de outubro de1893. São Paulo, Capital.
Morte: 25 de fevereiro de 1945, São Paulo, SP
in
"Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou"
  J.G . de  Araujo Jorge - 1a ed.   1963

Beija-me!


Quando vi-o hoje cedo
Sentado em minha frente
Cabelos sobre os olhos
Olhar curioso e tímido
Fitei-te por pouco espaço
Desejando que seu olhar me visse,
E com os olhos beijasse-me os lábios
Jogasse-me contra a parede duramente
E por entre nosso abraço a luz do sol,
Transpassasse o nosso corpo quente
E o beijo dantes desejado
Tomasse forma, cor , sentido e verdade
Saísse dos meus sonhos de menina
Chegasse aos nossos lábios enebriados
E esse teu beijo me embriagaria
Tal qual o mais alcoólico dos vinhos
E em vez da ressaca do outro dia
Teria eu o dia mais exato
De todos os que eu sonho.
Seu beijo, o meu pecado
Seu corpo, abismo profundo.

Lábios

10 junho 2012
Enrosca sua língua
Na minha língua
Lambuza de saliva
A minha boca
Consome os meus beijos
Sorve à força
Minha alma
Que em líquido se transforma
Degusta esses lábios desnudados
E secos de esperar teu doce suco
Passeias entre os dentes
Gotas miúdas
Do néctar suave de sua boca
Afagas com a mão a minha nuca
Apertas contra o peito o meu corpo
Derrama-me em você
Assim mistura
Meu latente suor posto pra fora
Esquenta-me com tua pele
De couro e de pelúcia que me roça
E mordo os lábios de desejo
De tê-lo sempre em mim a toda hora,
Mordes-me o pescoço apertando
O seu corpo junto ao meu contra a porta
E mordendo os lábios digo:
Devoras-me ou vou embora!

O vagalume

09 junho 2012



Hoje achei um vagalume. Quão perdidos eles estavam em minha memória? Há quantos anos não via um vagalume sequer? Há muito, mas sei que quando vi sua luz acender veio-me à mente milhares de lembranças que não imaginei que as tinha mais. No meu quintal, à noite, enquanto mexia nas plantas já que só sobra este tempinho, vi aquela luzinha pequena pisando. Demorei a entender o que era, cheguei mais perto. Ele estava em cima de uma folha da minha planta preferida, não se mexia, permanecia parado como que a iluminar meus pensamentos. Que vinham em forma de flashs...rapidamente via a menina de 15 anos atrás, com então 11 anos de idade que desconhecia muitas coisas do mundo e por que não dizer todas elas.
Via a menina que ficava observando as pessoas, como que a tentar entender o porquê de cada ação, fazendo análises simples dos resultados e dos fatos vistos e registrados mentalmente por uma criança que tentava entender o mundo, que se mostrava já tão incoerente. As analogias eram sempre as maiores mestras dessa menina, e em todos os gestos e palavras, olhados e ouvidas por estes olhos atentos e curiosos via-se uma lógica ou uma incoerência.
Fora estes tempos em que eu me punha a observar pessoas, eu observava também os vagalumes. As noites eram sempre escuras e mal iluminadas com as luzes amarelas dos postes altos da Vila São Paulo na cidade de Serra Mel, onde moramos por dois anos antes de irmos para a Terra do sal. Apenas duas compridas ruas compunham a vila e a minha casa era a de número 18.  Ficava recuada das outras por que ainda não havia sido reformada. Tinha dois quartos pequenos, sala , cozinha e banheiro. Um quintal que eu não via o fim se estendia porta afora, cheio de plantas e mundos estranhos, bichos e toda uma natureza que eu não vira antes. E um silêncio.