Eu não quero ser uma mola ensacada individualmente

28 julho 2011

Imagem retirada do site www.palaciodeespumas.com.br


Estive lembrando a letra de uma música muito conhecida da banda Legião urbana que sei quê nem porquê me veio à mente, um  trechinho em especial “digam o que disserem o mal do século é a solidão”e, se me permito me contradizer, acredito que ele me veio à mente por que é uma queixa ou reclamação comum das pessoas deste nosso século. Não lembro de nenhum dos meus amigos que nunca tenha proferido as seguintes sentenças; “Estou tão sozinh@”, “fujo muito da solidão”, “Não gosto de ficar só” ou ainda que “O que tenho mais medo nessa vida é da solidão”.
Por que toda essa geração da informação sente que está só? Temos o mundo das redes sociais, as pessoas podem saber mais rapidamente de notícias sobre a vida das outras. Compartilhamos fotos dos nossos melhores momentos com uma grande escala de “amigos”, atualizamos em questão de segundos todos os acontecimentos “importantes” que nos rondam, postamos nossos pensamentos ou tuites de qualquer lugar que estejamos e que pegue sinal de celular. Por que tanta solidão ainda? Podemos ver pessoas e falar com elas em tempo real de onde quer que estejam. Eu por exemplo, sempre falo com um primo meu que está em Danbury nos EUA e com uma prima do meu esposo que está na Bélgica. Tantas facilidades cibernéticas e ainda não estamos nos sentindo acompanhados.
Uma análise semântica das frases do primeiro parágrafo permite que possamos aproximar essas sentenças a um único ponto de convergência: o nosso modo de vida. Renato Russo não podia ter descrito melhor o sentimento de solidão “Cada um de nós imerso em sua própria arrogância esperando por um pouco de afeição”. É o que vemos!
É de se estranhar que as pessoas se cruzem pelas ruas e não se falem, não troquem nem uma simples saudação que, além disso, é um sinônimo de cordialidade. Lembro-me que nas lições que eu aprendia com meus pais sempre alguém falava em ajudar aos outros mesmo que eles não peçam, que para sermos pessoas consideradas “boas” não era necessário esperar, era preciso ter sensibilidade para perceber o que acontece à nossa volta. Para começar uma amizade é necessário iniciativa, mas o nosso mundo de hoje, se por um lado é globalizado, por outro é excludente e extremamente individualista.
Comparo o nosso comportamento, grosso modo, com os novos colchões que o mercado especializado apresenta: “molas ensacadas individualmente”, o colchão que tem este tipo de mola vibra menos por que as molas não se “esbarram” umas nas outras, com isto a pessoa tem mais conforto ao deitar. Chamo atenção para a parte de não se esbarrarem. Nós somos as molas ensacadas individualmente por outro motivo; o medo. Além da solidão, a nossa conjuntura social sofre do medo. Medo de sair de casa, medo de ir ao supermercado a pé, medo de sair à noite, medo de passear aos domingos, medo de viver. O medo é o que nos “ensaca”, o medo é o que faz com que não nos falemos nas ruas, que faz com que fiquemos tanto tempo dentro de casa vivendo uma vida virtual. Esse medo também existe quando se fala no tempo. Parece que máximas como “tempo é dinheiro” têm destaque nessa nossa vida moderna e não podemos perder nenhum dos dois.
Se perder tempo quer dizer que perderemos horas de estudo ou podemos nos prejudicar em relação ao tão sonhado cargo ou concurso, temos medo também de perder esse tempo e então, mais uma vez voltamos para nossos sacos individuais. E então, de quem é a culpa de esse século ser o da solidão?
Minha não é, eu até gosto dela. Ao contrário de muitas pessoas eu me sinto bem só. É quando estou só que consigo pensar direito, escrevinhar crônicas como essa, tocar algumas músicas no violão, arrumar a casa. Brincar com os gatos.
Mas quando estou acompanhada eu me dôo inteira. Seja a amigos, conhecidos ou familiares. Acho que podemos administrar bem esses estados de companhia e de solidão. Os dois são bem necessários à nossa construção. Se não consigo ficar só alguma coisa anda errado e é preciso descobrir o que é.
Renato Russo também sabia lidar com isso “Hoje não estava nada bem mas a tempestade me distrai, gosto dos pingos de chuva, dos relâmpagos e dos trovões”. É possível tornar um momento solitário muito proveitoso, é possível descobrir muita coisa de nós mesmos ou ainda nos aproximar da natureza.
Mas antes, é preciso saber o que é solidão. A solidão é um estado de reencontro com nosso eu, podemos ser nós mesmos, e somos seres fora de regras sociais quando estamos sós, fora de obrigações e responsabilidades. Alguém de vocês que me lê já se imaginou sozinho no mundo? Sem ter dependentes, sem depender, sem ter de responder perguntas ou fazê-las? Sem ter de agradar ninguém ou seguir certa tendência? Isso é se encontrar na solidão.
Muita gente passa na vida sem ter esse despertar. Tem gente que não se imagina só. Não consegue viver sem fulano, sem cicrano. E assim vive uma eterna infelicidade por que coloca o sentido da vida no outro. Não vive sem o outro, vive para o outro, tem de agradar o outro.
Eu não! Eu não quero agradar ninguém. Vim a esse mundo para viver minhas vontades. Por isso passo muito tempo só. Não vou obrigar a ninguém a fazer o que quero, mas não deixo de fazê-lo por ninguém. Esse é o meu mundo, é meu e só meu. Quer viver bem? Invente seu mundo, crie seus bonecos e suas histórias e nada o entristecerá.
Voltando das divagações, muita gente me diz que só digo essas coisas por que não tenho filhos, por que não vivi ainda a maternidade. Eu acredito. Sinceramente eu acredito. Colocar um ser no mundo é uma coisa de muita responsabilidade. E pode ser que eu mude, não serei eu a contrariar a lei do tempo de que tudo muda. Mas ao menos eu soube viver um bom momento de solidão e pude me encontrar uma vez na vida. Talvez eu mude ou talvez eu não precise disso.
Afinal, eu escolho muitas das coisas que acontecem na minha vida. E se eu escolher ser assim pra sempre? E se eu não quiser mudar? Adoro meus estados de sonolência e de solidão. Mas mesmo solitária não evito de me “esbarrar” com outras pessoas, uma coisa é não se misturar, outra coisa é querer ficar por mais tempo consigo mesma.