Literatura Norte-riograndense

21 junho 2011

LITERATURA NORTE-RIOGRANDENSE

BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES. (1)
Prof. Eduardo Gosson
  1. Introdução.
Começaríamos por perguntar: existe uma Literatura Norte-riograndense? Sim, da mesma forma que existe uma literatura francesa, inglesa, alemã…
Comparada com outras literaturas, a norte-rio-grandense é novíssima: tem apenas 200 anos. Nem por isso apresenta menor vitalidade.
  1. Os primórdios.
Quando o poeta Lourival Açucena (1827 – 1907), o nosso primeiro vate, começou a derramar versos sobre a cidade, Natal era uma aldeia com poucas ruas, precisamente quatro, que convergiam para a rua grande, hoje Praça André de Albuquerque.
Durante os oitenta anos em que viveu, foi o nosso poeta oficial. Colaborou ativamente n’ O Recreio, a primeira publicação literária da província (de março a dezembro de 1861) e em inúmeros jornais da época. Uma boa parte de sua produção poética perdeu-se em jornais que não mais existem; outra parte foi recuperada por Luís da Câmara Cascudo em Poesia ( Natal, 1927).
Embora esteticamente defasado, sendo arcádico em pleno parnasianismo, os seus versos fixaram o início da nossa Literatura. Para Cascudo, Lourival Açucena “ foi um dos raríssimos devotos do cotidiano, amando as alegrias miúdas e diárias, insiginificantes em sua expressão material mas poderosíssima de energia inspiradora”. (2)
Magoado porque lhe fora negada uma vaga para Deputado, pelo Dr. Amaro Bezerra, o poeta fez os versos A Política ( 1862), de grande atualidade em nossos dias:
I
Você pergunta, yayá,

Por que deixei a política?

Você quer saber de tudo,

Você é muito analítica.

Pois bem, eu lhe digo:

Ouça o que eu refiro,

Porque nesse jogo

Já fechei o firo…

Mas, olhe, menina,

Que dos meus arcanos

Não quero que saibam

Gregos nem Troianos…

Já ouviu, yayá?
II
Esses arautos políticos,

Quer de uma, quer de outra grei,

Quando estão de baixo gritam:

“ Viva o povo” – “ Abaixo o Rei”!

Mas, o sábio Rei,

Que conhece tudo,

Faz que não entende,

Fica surdo e mudo;

E o povo que idéia

Não tem dos negócios

Vai crendo nas loas

Dos tais capadócios…

Já ouviu, yayá?

Prometem ao pobre povo

Um governo angelical,

A terra da promissão,

Um paraíso ideal…

Porém, quando grimpam,

Cessam as cantigas

E tratam somente

De suas barrigas.

E nem mais conhecem

Aquele bom moço

Com quem já viveram

De braço ao pescoço…

Já ouviu, yayá?

Prometem casa da Índia,

Cabedais, mundos e fundos:

Mas, quando estão no poleiro:

- Viva Dom Pedro Segundo!

Seja liberal

Seja puritano,

Traz o povo sempre

Num completo engano.

Gregos e Troianos

Procedem assim…

Eu vou debulhando

Tintim por tintim…

Já ouviu,yayá?
(…)
V
Enquanto esperam maré,

Oh! Que afeto! Oh! Que doçura!

Mas, quando embarcam na lancha,

Quando gás!… quanta impostura!

E toda carícia

Veste-se em orgulho,

E a massa fina

Reduz-se a gorgulho.

Eu de rapapés

Estou escarmentado,

E de farrambambas

Muito escabriado…

Já ouviu, yayá?
VI
Nas vésperas da eleição,

Vão à casa do compadre,

Dão beijos no afilhado,

Rompem sedas à comadre…

E o pobre diabo

Entra na rascada,

Tomando sopapos,

Servindo de escada.

Eles vão p’ra Corte

E o compadre fica

Bebendo jucá,

Ou dose de arnica…

Já ouviu, yayá?
VII
Propalam grandes idéias,

Proclamam belos princípios,

Arrotam patriotismo,

Por todos os municípios.

Tudo isto é pirraça

isto tudo é peta,

É toda a questão

L’ argent na gaveta:

Ou, então, galgar-se

O mando, a grandeza,

Para, lá de cima,

Calcar-se a pobreza…

Já ouviu,yayá?
VIII
Morra Pedro e viva Paulo,

Com muita festa p’ra festa,

Com pouco mais: – Viva Pedro,

Morra Paulo que não presta.

Quanta inocência

E Contradição!…

Oh! Que mastigado

Que especulação!…

Quem isto negar

Terá boa fé?!…

Nega de finório,

Ou de pai-mané…

Já ouviu,yayá?
IX
Hoje, Sancho é muito bom…

Amanhã, Sancho é ruim…

Já fica sendo um demônio

Quem foi ontem serafim.

Eu não os entendo,

Eu não os percebo,

E, nesta enredada,

Se os percebo,cebo!…

Por isto, safei-me,

Sem bulha e arenga,

E livre-me Deus

da tal estrovenga…

Já ouviu,yayá?
1884
  1. A Modernidade.
Entre Lourival Açucena e Jorge Fernandes (a quantidade de versejadores é infinita), fazia-se literatura romântica e parnasiana. A modernidade só acontecia em 1927 com o Livro de Poemas. Todos os elementos da vida moderna ( o automóvel, o telégrafo, o telefone, as fábricas, as buzinas) estão presentes nesta poética. Para Maria Lúcia Garcia, in Jorge Fernandes: A Poética do Riso, “ Jorge vê com olhos de voyeur as coisas que fazem a sua realidade cultural e eleva-as à condição de palavra- poesia(…). O primitivo da terra natalense dos anos 20, integrado ao estrangeirismo dos novos signos,construtores da futura sociedade, reflete a própria dialética do modernismo: a mescla do estrangeirismo e do primitivo cantado na poesia Pau-Brasil e na Antropofagia”.
O que define a poética de Jorge Fernandes é o estilema onomatopéia. Estão presentes, também, outros elementos: o coloquialismo, o neologismo, grafismos para-concretos (como no poema rede), liberdade métrica e ritmos, justaposições invertidas não lexicalizadas, conforme podemos ver-ouvir-ler:
Sobre o açude

Pinicando no terreiro

Perseguindo gaviões badalando dezenas

de sinetas

Revoando em bando no espaço incendiado

do sertão sem nuvens

Num alvoroço de alarme:

té… téo! … té… téo! …

Téo … te-téo…

té-téo …té-téo!

té …téo … te-téo!

té-téo! …        Te-téo …
Jorge Fernandes foi um grito solitário na província, pagando com o ostracismo o seu antenamento contemporâneo. Só veio a ser descoberto na década de 70, numa edição organizada por Veríssimo de Melo. A partir daí não parou de ser redescoberto, existindo diversas teses e livros sobre o poeta.
Entre as décadas de 40 e 50 tivemos outros escritores que retomaram a estética modernista: Antônio Pinto de Medeiros com o livro Um Poeta À-toa (1949) e Zila Mamede publicando Rosa de Pedra (1953). O primeiro completamente esquecido, precisando urgentemente ser reabilitado. Quem escreveu versos como Ato de Fé merece ser devidamente estudado:
Creio na infinita procura
E nos caminhos ardentes

Creio nos mistérios da carne

E no limbo das idéias

Creio no silêncio das fronteiras

E no tumulto das sombras

Creio na mágica do tempo

E na divindade das forças

Creio no trono de Judas

E na redenção dos anjos caídos.
Zila Mamede, por sua vez, teve mais sorte e hoje se encontra devidamente estudada. No livro Navegos, que é uma reunião da sua produção poética, há um estudo do poeta  Paulo de Tarso.
A sua poética se caracteriza pela musicalidade, pelos cortes narrativos bruscos e pela concreticidade, como no poema A Ponte:
Salto esculpido
sobre o vão
do espaço
em chão
de pedra e aço
onde não permaneço
– passo.
    1. Ficção.
Neste terreno a nossa produção tem sido bem menor, porém não menos significativa.
Luís Carlos Wanderley é considerado cronologicamente o nosso primeiro romancista, tendo publicado Mistérios de um Homem Rico ( romance de sentido regionalista). Em seguida vêm Aurélio Pinheiro (Macau) e Antônio de Souza (Gizinha), ambos epígonos da estética do Realismo.
O salto qualitativo se daria décadas depois, com Eulício Farias de Lacerda em O Rio da Noite Verde (1973) e com Tarcísio Gurgel em Os de Macatuba ( 1975), ambos construtores de novas linguagens.
As suas obras literárias se inserem dentro da concepção de que: “ A obra literária se constrói como uma rede de relações diferenciais firmadas com os textos literários que a antecedem, ou são simultâneas, e mesmo com sistemas não-literários”. (4)
Nelas, a tradição e a vanguarda estão dialogando permanentemente, criando novas linguagens.
  1. Conclusão.
Duzentos anos, em se tratando de tempo, é muito pouco. Contudo, em sua juvenil idade, a nossa produção literária não fica a dever nada às grandes literaturas. Devemos ter orgulho dos nossos escritores.
NOTAS
(1) É membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN – IHGRN e presidente da União Brasileira de Escritores do RN – UBERN.
(2) Texto apresentado na IV Feira de Sebos/I Feira da Leitura na Praça André de Albuquerque ( de 09 a 13 de setembro de 1996).
  1. Luís da Câmara Cascudo, Lourival Açucena, in: Revista do IHGRN, vols. LVI-LVII-LVIII, Anos 1964-65-66.
(4) Maria Lúcia Garcia, Jorge Fernandes: A Poética do Riso. Texto mimeografado, apresentado no II Curso de Literatura Norte-Rio-Grandence, em 13.05.1992.
    • Yuri Tynianov, Da Evolução Literária.