Hoje achei um
vagalume. Quão perdidos eles estavam em minha memória? Há quantos anos não via
um vagalume sequer? Há muito, mas sei que quando vi sua luz acender veio-me à
mente milhares de lembranças que não imaginei que as tinha mais. No meu
quintal, à noite, enquanto mexia nas plantas já que só sobra este tempinho, vi
aquela luzinha pequena pisando. Demorei a entender o que era, cheguei mais
perto. Ele estava em cima de uma folha da minha planta preferida, não se mexia,
permanecia parado como que a iluminar meus pensamentos. Que vinham em forma de
flashs...rapidamente via a menina de 15 anos atrás, com então 11 anos de idade
que desconhecia muitas coisas do mundo e por que não dizer todas elas.
Via a menina
que ficava observando as pessoas, como que a tentar entender o porquê de cada
ação, fazendo análises simples dos resultados e dos fatos vistos e registrados
mentalmente por uma criança que tentava entender o mundo, que se mostrava já
tão incoerente. As analogias eram sempre as maiores mestras dessa menina, e em
todos os gestos e palavras, olhados e ouvidas por estes olhos atentos e
curiosos via-se uma lógica ou uma incoerência.
Fora estes
tempos em que eu me punha a observar pessoas, eu observava também os vagalumes.
As noites eram sempre escuras e mal iluminadas com as luzes amarelas dos postes
altos da Vila São Paulo na cidade de Serra Mel, onde moramos por dois anos
antes de irmos para a Terra do sal. Apenas duas compridas ruas compunham a vila
e a minha casa era a de número 18.
Ficava recuada das outras por que ainda não havia sido reformada. Tinha
dois quartos pequenos, sala , cozinha e banheiro. Um quintal que eu não via o
fim se estendia porta afora, cheio de plantas e mundos estranhos, bichos e toda
uma natureza que eu não vira antes. E um silêncio.
Quem nunca
experimentou o silêncio teme quando o encontra. Eu sempre falava pouco,
guardava-me para ocasiões em que eu deveria ser a menina sensata e falava, pouco
e palavras medidas e pesadas. Meu pai me dizia para não falar besteira,
procurar ouvir o assunto e pensar antes de me “meter”. E na minha infância de
menina sozinha eu brincava com os bichos que achava, sapinhos da chuva que eu
carinhosamente colocava dentro de uma caixinha de fósforo na esperança de que
eu tivesse um amigo ali comigo sempre, gafanhotos que eu queria fazer de
marionetes, gatos que sempre foram a minha paixão. Ou os vagalumes.
Estes eu nunca
conseguia pegar, piscavam rapidamente e sumiam do meu olhar e logo piscavam
longe, mais alto, mais distante e eu menina-crescendo-mas-ainda-criança corria
para pegá-los. Eu ficava querendo adivinhar como era um vagalume, já que o via
voando e nunca pegava e se por acaso via algum no chão, morto, não sabia de que
se tratava pois só os via acesos,
brilhando ao longe como as estrelas que a gente apenas admira com a diferença
de que o vagalume poderia caber na minha mão. E assim às noites eu sentava no
alpendre da casa, em meia escuridão e ficava olhando as estrelas e esperando os
vagalumes. Guardava próximo de casa um pote de vidro onde eu poderia criar um
vagalume que brilharia para mim todas as noites. Seria minha fadinha, ou quem
sabe um anjo, um amigo. Em minha ingênua percepção das coisas eu achava que
isso seria possível mas não era.
O imaginário
humano é muito vasto e a realidade é muito dura. Por isso existem as mães,
anjos responsáveis por moldar o nosso imaginário de forma que não se perca a fé
nas coisas mas que se aprenda a real dureza. E minha mãe dizia que não era
possível criar um vagalume, “menina, isso não se cria, é bicho do mato, se você
conseguir pegar ele, ele morre”, e nas analogias eu tentava entender por que se
cria pássaro, se cria papagaio, se cria gado e não se cria vagalume? Por que eu
não poderia ter ao lado da minha rede um vagalumezinho dentro de um pote
brilhando pra mim?
Os vagalumes
são poéticos, não lembro de algum poeta que fale sobre eles mas se não há é por
que não descobriram ainda o que há de magnífico na noite, e eu já sabia disso
muito cedo, tanto que sonhava com o meu vagalume. A luzinha verde piscando me
dava uma alegria...Não consegui pegá-los e esqueci-me deles. Vieram outras
coisas a pensar.
Tornei-me
adulta, responsável, trabalhadora, professora, mulher. Focada nos meus
objetivos, traçando metas, sonhando com concursos, carreira, livros,
felicidade. E agora, no quintal da minha casa enquanto cuidava das plantas vi
um vagalumezinho na folha da minha
roseira, quietinho. Olhei-o com a mesma alegria da menina de 11 anos que
desejava ardentemente possuir um vagalume, peguei-o com a mão, observei-o bem,
vi-o piscar bem de perto e o coloquei de volta no lugar e fiquei esperando ele
ir embora...
Eles brilham mais bonitos de longe. E agora eu
já sei como é um vagalume.